Rayssa Tomaz
Não sou dessas mães que ficam racionalizando a maternidade. Acho incrível quando vejo aquelas pessoas organizadas e pragmáticas, que tem tudo anotado, que conseguem fazer previsões, que são capacitadas pela vida pra dar dicas sobre parto, sobre puerpério, alimentação ou qualquer outro assunto relacionado. Eu nem sou uma boa referência para falar sobre isso; por aqui tudo é um pouco fora do esquadro, com regras um pouco confusas para a maioria das pessoas, ainda que sejamos felizes e não tenha acontecido nenhum imprevisto sério nestes quatro anos.
Para quem não me conhece, eu sou a Rayssa. Solteira (ou melhor, separada), jornalista que trabalha com política/campanhas eleitorais, 28 anos e virginiana. Essa é a maneira como eu me apresento para o mundo, em linhas gerais. Essas informações já foram suficientes, mas não condizem em quase nada com a minha realidade. Eu sou a mãe da Beatriz, de quase quatro anos, e da Cecília, de 1 ano e meio.
Talvez, o fato de eu simplesmente não conseguir me resumir a este último e incrível enunciado seja o motivo deste texto ou a causa principal para a minha condição de “mãe viável”. Não digo isso com muito pesar. Existe culpa? Sempre. Existe medo? Todos os dias. Mas há muito amor e muita compreensão, de todos os lados que vocês puderem imaginar. Tenho certeza que o processo mais importante para afastar os sofrimentos é a autoaceitação. Eu queria ser diferente em milhares de coisas. Eu queria ter mais paciência, mais dedicação e mais tempo. Eu queria ser a mãe do grupo do whatsapp, da turma da minha filha mais velha, que construiu um relâmpago McQueen de papelão para a semana do trânsito no último ano. Ficou incrível!
Eu também queria ser a mãe que cozinha comida orgânica cheia de nutrientes pras crianças, mas ao invés disso, eu me contento em comprar suco orgânico e biscoitos integrais – mesmo não confiando 100% neles ou que desiste e abre um salgadinho quando precisa terminar alguma coisa do trabalho e as crianças estão em polvorosa. Me julguem, ou sintam-se abraçadas.
Queria ainda ser das mães que moram no meu condomínio e que passam, diariamente, umas 3h por dia no parquinho com seus filhos. Ah, como eu queria achar isso tudo maravilhoso. Queria ter estas horas extras no meu dia que parece que só tem 4h. Eu mal consigo conversar com estes seres humanos, porque em mim reside um misto de vergonha x falta de atenção enquanto eu olho duas crianças correndo e o celular que nunca para de apitar, seja por questões de trabalho, seja pelas pessoas interessantíssimas que querem falar as últimas novidades do mundo comigo.
Minha rotina de trabalho é extenuante. Saímos de casa todos os dias por volta das 8h e só retornamos por volta das 20h. Após a saga comida/banho/hora do sono, eu posso deitar no meu sofá por alguns minutos caso eu consiga esquecer que preciso arrumar as coisas, limpar, colocar roupa pra lavar, olhar a agenda da escola e arrumar o lanche para o dia seguinte; nunca termina. Nunca temos uniformes limpos e as roupas no varal demoram mais de uma semana para serem retiradas de lá. Não tenho babá ou “secretárias do lar”. Minha mãe assumiu comigo a minha maternidade, minha “wingwoman”, e cuida sempre das meninas enquanto eu estou no trabalho ou quero sair pra tomar uma cerveja antes da minha cabeça explodir. Ah, eu ainda consigo ler e assistis episódios das séries do Netflix. Durmo super tarde, ainda acordo algumas vezes na madrugada para amamentar a pequena. E assim, com poucas horas de repouso, muita Coca-Cola e bom humor, vamos seguindo a vida.
Sei que este texto está tenso e um pouco lamentoso, mas essa introdução serve apenas para falar sobre a arte de não sofrer tanto. Citei acima a agenda escolar para lembrar do exato dia no qual eu tive a epifania de que “não há guerra em que não saiam feridos soldados de todos os lados”.
Vivo equilibrando a pirâmide formada pelos eixos mãe x profissional x eu mulher. Não gosto de ficar conjecturando sobre isso porque, em resumo, sou uma pessoa privilegiadíssima. Moramos bem, pago minhas contas em dias (a maioria delas) e estamos sempre de barriga cheia. Nesse tempo, conseguimos ainda nos divertir. Tenho filhas saudáveis e felizes.
Dia desses, vi na agenda um recado sobre ter que comprar morangos para que as crianças fizessem uma atividade sobre frutas e cores. Eram 8h30 da manhã, do dia x. Não havia sequer a menor possibilidade de achar morangos ou de eu ter tempo para isso. Infelizmente, mandei a criança sem as frutas. Refleti alguns minutos, em meio à correria, mas pensei… Sobreviveremos. E assim foi. Confesso que, ao longo dos últimos dias, o morango não comprado ainda martelou meus pensamentos. Será que poderia ser diferente? Elas merecem mais do que eu, obviamente, posso dar. Eu não sou a mãe que a sociedade gostaria que eu fosse. Não sou a profissional que eu era e ainda queria ter um namorado (o que parece fora de cogitação nessa loucura toda). Eu não tenho a vida e muito menos chego perto das projeções de como ela deveria ser. Mas estamos bem, estamos juntas. Chegamos ao conceito da maternidade viável, a que dá pra ser.
Sofri um pouco quando passei 50 dias dedicados às eleições e não vi o exato momento que a Beatriz deu seu primeiro passo. Mas a avó paterna estava lá e, tudo bem. Segurei sua mãozinha tantas outras vezes, amparei em tantas quedas e acolhi em tantas outras. De alguma forma, me convenci que ela vai ter orgulho da mãe “real”. Da mãe que precisa correr pra ganhar o pão, ainda que ele chegue atrasado porque não deu tempo de passar na padaria depois daquela reunião que se estendeu até às 23h.
E aí, ontem, assim do nada, Beatriz me lança um “mãe, eu te amo tanto”. E eu tive certeza que sofrer não é uma possibilidade. E viva a maternidade possível, a factível e a exequível.